terça-feira, 22 de maio de 2012

a crise, uma referência incontornável


O JOGO: Eduardo Coutinho finalizou "Moscou" em 2009, sendo esta produção uma continuação de suas investigações iniciadas em "Jogo de Cena" (2007), filme no qual ele vira a câmera para a plateia a partir do palco do teatro, tendo em primeiro plano uma sucessão de truques discursivos elaborados entre confissões reais e ficcionais.

Jogo de Cena foi um documentário muito bem recebido pela crítica, afinal, naquele momento, o discurso documental enfrentava sérias transformações de conteúdo e sintaxe com produções que desafiavam as noções de verossimilhança, factualidade e criação do real. Em outras palavras, é possível afirmar que, em escala internacional, os documentaristas estavam interessados em testar os limites daquilo que o documentário propõe como real e crível, também no sentido de fato histórico. E o Coutinho não escapou dessas experimentações, ao contrário, buscou se reinventar.

Jogo de Cena permitiu que Coutinho subvertesse a primeia lógica documental, a do sujeito-observador que busca seu objeto-observado. E fez isto publicando um anúncio à procura de pessoas afins de dar seu depoimento ao filme. Nesse sentido, o que houve, de fato, foi uma subjetivação do processo criativo por parte dos interessados que buscaram aquela câmera localizada numa sala de espetáculo carioca. Em um segundo momento, Coutinho convidou atrizes conhecidas e desconhecidas do grande público telespectador - e este é um fator decisivo para a experiência fílmica, embora não a desenvolvamos aqui - para que elas encenassem alguns depoimentos colhidos de pessoas ditas comuns.

AS CENAS: Bem, esta introdução pode nos ser importante para compreender "Moscou", afinal, como o próprio Coutinho afirma, ele mesmo se tornou uma peça secundária no processo de criação. Moscou é um documentário com cerca de 80' sobre o processo de criação do Grupo Galpão envolvido com "As Três Irmãs", de Tchecov. E, para tanto, Coutinho que estava acostumado a produzir entrevistas de 'maneira sistemática', teve que se posicionar de 'maneira randômica' a fim de coletar as mais de setenta horas de filmagem do para finalizar "Moscou". Além disso, ele afirma que o processo de edição foi fundamental para criar uma obra, posto que ela é cheia de sentidos.

Ao ver o filme, percebemos que ele se trata de um quebra-cabeça audiovisual, de um espelho fragmentado no sentido proposto por Silvio Da-rin em seu livro já clássico. Ao acompanhar o documentário, o que vemos não é somente a produção teatral  - o que seria uma opção; também não é somente uma questão de refração semântica que revela o jogo duplo do diretor-dirigido, do realizador-realizado - o que seria uma segunda opção, mas talvez mais comum. O que se evidencia no filme é a incompletude do processo cinematográfico frente aos recursos teatrais: são as frestas criativas, os interstíticios discursivos, tudo aquilo que não pode ser capturado pelas câmeras, são estas coisas que ficam evidentes no filme. E este é o jogo revelador das ambiguidades envolvidas na relação entre cinema e teatro. E são ambiguidades porque o que é visto é filmado pode vir a ser realmente visto e conhecido somente no processo de edição.

AS EXPERIÊNCIAS: Assim, depois desses quatro meses de envolvimento com a Cia Teatro da Cidade, temos ainda cerca de quatro horas de filmagem. Nada comparável com as 70h de Moscou. Mas são estas quatro horas que nos permitiram identificar estes fatores decisivos entre o cinema e o teatro: acompanhar uma equipe de teatro a vinte e quatro quadros por segundo requer escolhas e decisões rápidas. Não há muito tempo para escrutínio, para uma investigação mimética, para a sensibilidade mais previsível. Podemos dizer que as filmagens são eminentemente cegas, posto que são muitos os sentidos narrativos que nos estimulam: espacialização, vocalização, gestual e preemências. Assim não há margem para a definição, mas sim para os erros; não há chances para o raciocínio, mas sim para os indícios de momentos com grande potencial de edição. Acompanhar uma equipe de teatro com uma câmera requer muito fôlego, silêncio, concentração e intuição. Uma vez dotados dessas qualidades, podemos não saber muito bem o que está diante de nós, mas certamente teremos um rico material para buscar os sentidos do filme em outra fase de produção, a edição.

Abraços fortes,
Fábio Monteiro









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